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Morte de centenas em naufrágios na Europa expõe a dificuldade com a imigração ilegal

Reprodução
O sul da Europa é, para muitos, uma espécie de paraíso. Praias perfeitas, banhadas pelas águas azuis do Mediterrâneo, são o sonho de consumo de turistas do mundo inteiro, que pagam para deitar sobre a areia olhando em direção ao mar. Na direção oposta, outros veem nas mesmas praias uma chance de escapar da miséria e do sofrimento em países pobres e devastados por conflitos, na África e no Oriente Médio. Cidades ao longo da costa mediterrânea têm sido destino de imigrantes ilegais, desesperados a ponto de arriscar suas vidas – uma aposta que muitas vezes perdem. 

Em 3 de outubro, um barco que transportava 500 imigrantes vindos da Eritreia e da Somália naufragou perto de Lampedusa, uma ilhota de 5 mil habitantes. Na tragédia, 359 pessoas morreram – entre elas 30 crianças. Na semana passada, mais dois acidentes envolvendo embarcações com imigrantes ilegais causaram a morte de 89 pessoas. Países da região tentam agora evitar que o Mediterrâneo se consolide como um grande cemitério de afogados.

Terra natal do escritor Giuseppe Tomaso di Lampedusa e um dos principais recantos turísticos para milionários da Europa, Lampedusa está a apenas 103 quilômetros da costa africana. Dezenas de outras cidades na Espanha, Grécia e em Malta servem de entrada para imigrantes. Em 2012, 72 mil deles entraram na Europa, 60 mil por esses países. Neste ano, até 30 de setembro, mais de 40.100 ilegais chegaram à Itália, à Espanha e a Malta, segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur). A maioria veio de países em guerra civil, como a Síria (12 mil), ou em crises humanas, geralmente ligadas à seca, na África Subsaariana (7 mil).


Uma travessia em direção à Europa é tão arriscada quanto desejada. Nas últimas duas décadas, quase 20 mil morreram ao tentar chegar às fronteiras meridionais europeias. Em 2011, no auge da Primavera Árabe, mais de 2 mil morreram tentando. Quem consegue não tem o que comemorar além de estar vivo. Em geral, os refugiados ficam detidos em centros de recepção, forçados a viver em condições precárias. Muitos enfrentam restrições legais. Na Itália, uma lei criada em 2002 tornou crime a imigração ilegal. Quem entra ou permanece no país ilegalmente pode ser punido com multa de até € 10 mil. Quem acolhe imigrantes ilegais pode ser condenado a até três anos de prisão. França e Espanha têm leis similares. Sobreviventes dos naufrágios mantidos em Lampedusa devem ser formalmente acusados pela promotoria italiana de imigração ilegal.

As recentes tragédias expuseram os dilemas da União Europeia diante do problema. Em muitos países, a legislação tem sido mais dura com imigrantes, com poucos resultados práticos. “No começo, as leis reduziram a imigração ilegal. Em momentos de crise, não há como evitar a entrada de refugiados em massa, por causa da proximidade geográfica”, afirma Paolo Cuttita, cientista social e professor de Estudos de Fronteira na Universidade de Palermo. Na maioria das vezes, leis anti-imigração pioram o cenário. “O endurecimento das leis apenas torna a imigração mais perigosa e alimenta organizações criminosas”, afirma Cuttita. Nos últimos dez anos, proliferaram quadrilhas de traficantes de pessoas no norte da África. Segundo o Acnur, em 2007 havia 15 quadrilhas que transportavam imigrantes ilegais para a Europa. Hoje, são mais de 50. Para cruzar o Mediterrâneo, uma pessoa paga de € 1.000 a € 2 mil.

O problema é complexo e não tem solução fácil. Pelas regras que regem os 28 países da União Europeia, quem recebe um imigrante é responsável por seu pedido de asilo e hospedagem. Não há um mecanismo para dividir o fluxo entre os países da UE. Os países-membros do norte não querem mudanças. As nações do sul, como Itália, Grécia, Malta e Chipre, queixam-se de falta de solidariedade. Na semana passada, ministros do Interior de vários países europeus se reuniram em Luxemburgo e formaram uma força-tarefa para “estudar” medidas. Até o fim do ano, deve entrar em vigor o Eurosur, um sistema de vigilância, com imagens de satélite e aviões não tripulados, para monitorar o alto-mar e a costa da África – não está claro se para salvar vidas ou apenas para impedir que os imigrantes cheguem à Europa.

A crise econômica europeia também dificulta uma solução de curto prazo. Não falta quem atribua a estrangeiros sem documentos a responsabilidade pela degradação das cidades e o desemprego em vários países. A ascensão de partidos conservadores na Europa favorece a adoção de normas mais duras anti-imigração. “É preciso um esforço político continental urgente para mudar a situação, mas isso não acontecerá”, afirmou em discurso o relator especial da ONU sobre os Direitos dos Migrantes, François Crépeau. “Imigrantes não votam.” Em julho, o papa Francisco visitou Lampedusa. Disse ter ido à ilha para “chorar os mortos que ninguém chora” e criticou o que chamou de “globalização da indiferença”. A imagem de corpos nas praias europeias é prova de que tal indiferença precisa ser combatida – e derrotada.   



Fonte: Época

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